“MEUS PÉS ENTERREM NA RUA AURORA…”

Você ja ouviu um certo comentário que tal pessoa se parece muito com o lugar onde nasceu?
Que Mário de Andrade é um ícone da Pauliceia, com certeza muita gente sabe, mas que ele foi e continua sendo a “identidade” do bairro paulistano que nasceu, muita gente “culta” desconhece. Aliás, a semelhança fica ainda mais evidente em relação a rua na qual ele veio a luz, a rua Aurora, que em 1809 foi aberta pelos pretos das irmandades religiosas como Rua Santo Eslebão.

Mário de Andrade veio ao mundo as 20:15hs no dia 09 de outubro de 1893. Nasceu numa casa assobradada alugada,  número 54 da Rua Aurora, bairro Santa Ifigenia no então Centro expandido de São Paulo.

Assim como seu ilustre nativo, a Rua Aurora tem uma história peculiar e marcante na história da Capital. Centralizada entre os Campos Elísios, a República, a Luz e o Anhangabaú, a Rua Aurora carrega em sua história, o inequívoco DNA afrodescendente do Distrito onde pertence, a Santa Ifigenia, um bairro que nasceu da reivindicação da irmandade abrigada pela Igreja do Rosário dos homens pretos fincada onde hoje está a Praça Antônio Prado.

Tal reivindicação foi pleitear sua própria Igreja. O que foi concedido nas décadas finais do século XVIII pela Câmara de Vereadores de São Paulo num terreno a alguns metros do “tanque do Zuniga”, que mais tarde seria aterrado para a criação do Largo do Paiçandu, para onde, no início do século XX seria transferida a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos.

O DNA da Rua Aurora aflorou em seu primeiro nome “RUA SANTO ESLEBÃO”, quando ela foi aberta pelas irmandades religiosas pretas. Santo Elesbão foi um Rei etíope (canonizado pelo vaticano) que libertou seu povo dominado por um tirano, e quando reinou se desfez de toda sua riqueza material em favor dos desvalidos. A homenagem das irmandades ao santo preto perdurou até 1865 quando a Câmara de vereadores de São Paulo decidiu modificar os nomes das Ruas daquele bairro em exortação ( “vitória ” – Triunfo, Vitória, Aurora, General Osório) às “conquistas” militares do Brasil na Guerra do Paraguai.

Da mesma forma que Mário, a história da rua Aurora foi marcada por melancolia, lampejos de entusiasmo e instabilidades sociais de toda sorte.

Uma rua onde seu entorno se desenvolveu meteoricamente, sendo umas das primeiras a receber calçamento, guias e sarjetas, e itinerarario de bondes.  Tornando-se (assim como a Rua Florêncio de Abreu) uma das principais ligações dos Quartéis do Arouche, da Estrada de Pinheiros e também, do glamouroso Triângulo e Pátio do Colégio às movimentadas estações ferroviárias da Luz São Paulo Railway e E. F. Sorocabana, que graças a Economia do Café recebiam diariamente centenas de novos trabalhadores e moradores para esta “Cidade Nova”.

No final do Século XIX, “Santa Ephigenia” se tornou rapidamente o novo centro econômico, de serviços e, de entretenimento da cidade. Hotéis, teatros, cinemas, bares e Cabarés abriam suas portas ao mesmo tempo em que as lonas de circo se erguiam mambembe pelo largo do Paiçandu e ruas do entorno.

Nesta época, o Vigário Cônego José de Camargo Barros da Capital promoveu uma pesada campanha  acusações  e difamação contra as Irmandades Pretas de Santa Ifigenia e Eslebão.  Descuido com a conservação da Igreja, Balbúrdia e até suspeiçãode crimes foram as reclamações levantadas pelo Cônego, resultando em uma demorada batalha jurídica que acabou no inicio de 1900 por proibir a realização de cultos , e por retirar a administração Paroquia das mãos das irmandades pretas.

Em contrapartida, no início de 1900 o crescimento da população pobre e a proliferacao de cortiços em condições insalubres e a velocidade da urbanização e circulação de “desocupados e prostituição” já preocupava as autoridades com o aumento constante das ocorrências policiais no distrito de Santa Ifigenia.

O trecho circunscrito da esquina da Rua Visconde de Rio Branco com Aurora, Rua Santa Ifigenia, Rua dos Gusmões, Rua dos Protestantes, General Osório abrigava comerciantes, consultórios de médicos, escritórios de advogados e professores, lado a lado com os apinhados cortiços e casinhas habitadas por imigrantes recém chegados do estrangeiro e de outros estados brasileiros.

Os moradores mas abastados moravam nas extremidades da Rua Visc. Rio Branco para a República, Campos Elísios ou da Rua Ipiranga para a Estação da Luz.

“Numa Rua do Centro de São Paulo”  –  Três Pesquisas Históricas – 2023.


Por conta da grave crise econômica mundial em 1929, este “novo centro” começou a degringolar, acumulando décadas de estagnação e desvalorização. Embora alguns anos depois vivesse a brisa da reabilitação soprada pela instalação do vistoso e movimentado terminal Rodoviário em frente a Praça Júlio Prestes. A Cultura bem ao gosto “Andradiano” também ousou sustentar o bairro! O samba, o teatro e o cinema fomentaram o lazer e a economia, mas associados a crescente malandragem e as numerosas casas de meretrício, não resistiram ao olhar conservador da sociedade.

Mário apontava o irmão Carlos (6 anos mais velho) como um exemplo de perfeição e motivo de orgulho da família. (Abaixo um recorte nota do Jornal O Estado de São Paulo: Carlos agraciado em 1904, com o “Primeiro Prêmio em Instrução Religiosa”  do Ginásio de Nossa Sra. Do Carmo).

Em suas famosas cartas para amigos como Portinari, Manuel Bandeira, Drummond e Câmara Cascudo, ele frequentemente reclamava de enfermidades, de suas dores físicas e tristezas da alma. … “Sou um sentimental…dizia”.

O Pintor Di Cavalcanti, que conviveu com ele nos tempos da Semana de Arte Moderna de 1922, fez em 1971 o relato abaixo em depoimento dado ao MIS: “… Mário, aos 28 anos, na época da Semana de Arte Moderna de 1922 era um sujeito muito sentimental, inteligentíssimo e sensível. Sofria por tudo! Vivia naquela ruazinha Barão de Itapetininga melancólico em lágrimas…”

A literatura (especialmente suas cartas) deixada por Mário é farta de informações sobre sua personalidade e seus complexos, como em relação a sua brilhante atuação no departamento de cultura do município e ainda sua contribuição para a Cultura Brasileira e identidade paulistana, mas sua infância, mesmo em grande parte desconhecida com certeza explicaria a hercúlea resignação pelo conhecimento erudito e ao mesmo tempo sua paixão pela cidade de São Paulo. Mário deixou  emergir em seu sorriso largo as peculiaridades das pessoas do povo, o modo simples de expressar o idioma no qual ele próprio definia como Língua brasileira.

Em seu célebre poema “Lira paulistana” Mário deixou como testamento sua Desejo:

” MEUS PÉS ENTERREM   NA RUA AURORA”

A rua Aurora, e o bairro de Santa Efigenia ainda hoje agonizam, com seu comércio esvaziado, com o temor da criminalidade, o  descontrole  de pessoas em situação de rua e do interminável drama dos dependentes químicos que perambulam por suas ruas, e dos resistentes moradores já vislumbrando no futuro próximo a sombra das gigantescas torres dos empreendimentos imobiliários que ameaçam emergir a cada nova modificação no plano diretor urbano da cidade de São Paulo.

Prof. Edgard Santo Moretti
Artista Plástico – Escritor .

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