Annita Catharina Malfatti, um espírito elevado! 


Por Edgard Santo Moretti

A Semana de Arte Moderna de 1922 foi um evento organizado e realizado por intelectuais das artes, jornalistas e escritores, em sua maioria ainda jovens, como Di Cavalcanti, Mário de Andrade, Ronald de Carvalho, Menotti Del Picchia, Oswald de Andrade, e “patrocinado” pela oligarquia paulistana. A Semana 22 é considerada um dos episódios mais importantes da história da arte brasileira.
Em meio a este grupo revolucionário de maioria masculina destacavam-se jovens mulheres, que enfrentaram o conservadorismo
da época, contribuindo com sua arte para fortalecer a diversidade cultural diante de um contexto
fortemente arcaico, machista e preconceituoso. Zina Aita, Regina Gomide Graz, Guiomar Novaes, Lucilia
Guimarães Villa-Lobos, Yvonne Daumerie, e principalmente a pintora Annita Malfatti, que se apresentou
com vinte obras no evento, mesma quantidade de obras que o jovem Di Cavalcanti.
Segundo os depoimentos dos “Semanistas” participantes: Del Picchia, Di Cavalcanti e Rubens Borba de Morais, Annita Malfatti foi a grande homenageada da Semana 22 devido seu pioneirismo, desde sua
“polêmica” Exposição de Pinturas Modernas em dezembro de 1917, quando foi alvo das pesadas críticas
publicadas pelo escritor Monteiro Lobato no Jornal “O Estado de São Paulo” em 20 de dezembro daquele
ano. O desastroso texto de Lobato mirou as tendências modernistas européias utilizadas por Annita em
suas telas, mas atingiu fortemente a artista, que se fragilizou e até pensou em interromper sua atividade.
Na época alguns jovens jornalistas e escritores se manifestaram em defesa do modernismo nas telas da
pintora. Por isso eram chamados de “futuristas” - Oswald de Andrade, Arnaldo Simões Pinto, Guilherme de
Almeida, e mais tarde Mário de Andrade - escreveram matérias elogiando e apoiando o talento e a
inovação de jovem artista palistana.

A "CANHOTA" FUNCIONAL

Annita Catharina Malfatti, a célebre pintora paulistana, nasceu numa familia de imigrantes. Pai italiano e mãe americana de origem alemã. Não teve uma infância e adolescência tranqüilas em decorrência de uma
anomalia congênita em sua mão e braço direito, além da morte precoce de seu pai aos 47 anos de idade.
Mas revestiu-se precocemente de resignação para enfrentar e vencer as dificuldades. Sendo destra por
natureza, mas devido a atrofia da mão direita, aprendeu com sua mãe a escrever e a desenhar e utilizar
com freqüência a mão esquerda, tornando-se canhota funcional por necessidade. Sua determinação em
aprender tornou-a poliglota, fluente em ao menos cinco idiomas.

“O Tio Jorge”


O tio George ou “Jorge” Krug, de família imigrante alemã, nasceu em Campinas e ainda criança viajou para
os EUA onde morou, estudou e se formou na Universidade da Pensilvânia. No Brasil, trabalhando ao lado de seu pai Wilhem (Guilherme) Krug, George foi um exímio e importante desenhista clássico, arquiteto,
engenheiro e construtor com escritório na cidade de São Paulo, no inicio do século XX, onde teve parcerias com Antonio Garcia Moya, Samuel das Neves, Vitor Dubugras, e nos escritórios de Ramos de Azevedo. Os Krug projetaram e construíram dezenas de edificações industriais e residenciais, na cidade de São Paulo e cidades do interior Paulista, especialmente na região de Campinas e Piracicaba.

Jorge H. Krug conheceu e se associou com engenheiro italiano Samuele Malfatti, que casou-se em 1887 com a irmã de Jorge, Eleonora Elizabeth Krug, nascida nos Estados Unidos, e veio ainda criança para o Brasil. O casal foi morar numa das propriedades da familia Krug em São Paulo na Rua Florêncio de Abreu, número 67.
Neste endereço nasceram seus quatro filhos, Alexandre o primogênito do casal em 20/08/1888, Annita
em 02/12/1889 ou 1890 (a controvérsia sobre o ano explico mais a frente),seguida por Guilherme em 27/06/1892 e, por Georgina em 12/06/1895.

Em 1895 Samuel Malfatti criou a empresa “Beneducci& Malfatti” trabalhando com construções no âmbito estadual, inclusive para extração de paralepipedos na pedreira de Juquery para a construção da Casa de repouso do construída pelo escritório de Ramos de Azevedo.

Em 27 de dezembro de 1902, eleito deputado Estadual Samuel Malfatti morre do coração, deixando a
esposa “Beth Krug” e seus quatro filhos menores: Alexandre 14 anos, Annita 12 anos, Guilherme 10 anos e
a mais nova Georgina 06 anos.
Em janeiro de 1903, após o funeral de Samuele o tio Jorge acolheu a irmã e os quatro sobrinhos órfãos na
casa de seu pai Wilhem, na Rua Ceará no recém (1895) loteado bairro de Higienópolis, na cidade de São
Paulo.
Ao completar seus vinte anos, Annita viajou para estudos na Alemanha em 1910, e em 1915 para os
Estados Unidos,
graças ao patrocínio (nas duas oportunidades) por seu tio George Henry Krug, a pedido da
irmã Beth. Estas duas viagens sem dúvidas foram o divisor de águas para enriquecer o repertório da então artista iniciante.

Em Colônia, Alemanha em 1912, ela pode visitar exposições com obras de artistas modernistas
contemporâneos para a época, como: Picasso, Braque, Matisse, Cézanne, Gauguin, e uma retrospectiva de
Van Gogh. Nos Estados Unidos conheceu pessoalmente nada menos que Isadora Duncan, Marcel
Duchamp, e Máximo Gorki, entre outros que viriam a ser gigantes na História da Arte.
É bem verdade que o Lituano Lasar Segall realizou em 1913, a "primeira exposição de Arte Moderna" no
Brasil, mas foi a paulistana Annita Malfatti, mulher e deficiente, a primeira pessoa brasileira a expor Arte Moderna "brasileira" no Brasil.
Sua Exposição de Pinturas Modernas aglutinou os Jovens Modernistas da época e se tornou o estopim para a realização da Semana 22. Arte de sua autoria produzida em grande parte em solo brasileiro, e, em suas viagens de 1910 para a Alemanha, e 1915 para os Estados Unidos.

As desastrosas críticas do escritor nacionalista Monteiro Lobato fizeram-na ausentar-se por um período, porém, quando retornou, tais críticas serviram-lhe de catapulta para a história. Annita resistiu às convenções tradicionalistas, tornando-se um símbolo de resistência por sua condição de “mulher, deficiente física e artista”.

Em sua busca de “reconhecimento” como pintora, procurou em 1919 o ateliê do então veterano pintor Acadêmico Pedro Alexandrino, lá, conheceu Tarsila do Amaral, então uma “socialite” aluna em aprendizado com o velho pintor.
Tornaram-se parceiras na pintura e amigas confidentes.

Em 1920, Tarsila viajou para a Europa, voltando em julho de 1922 não participando da Semana de Arte Moderna, recebendo informações do evento através das cartas enviadas por Annita.

Em Julho de 1922, Annita apresentou Tarsila recém chegada aos escritores Menotti, Oswald e Mário, formando com eles o Grupo dos cinco. Em setembro as duas artistas modernistas participaram da Primeira Exposição Geral de Artes Plásticas no ainda em construção “Palácio das Industrias” no Parque Dom Pedro II, na capital paulista.

O Grupo dos Cinco desenvolveu importantes teorias sobre a Arte Moderna brasileira até o julho de 1923, desintegrando-se em agosto deste mesmo ano.

Em julho de 1923 Annita foi agraciada com o pensionato artístico na França, viajando em 26 de agosto e permanecendo por lá até 1928, criando uma extensa produção e desenvolvendo ainda mais seu conhecimento
artístico.

1931 a Arte Moderna finalmente foi oficialmente aceita como “Categoria” o Salão do 38º Salão Geral de Belas
Artes no Rio de Janeiro, que ficou conhecido como “Salão Revolucionário” ou “Salão dos Tenentes”. Annita foi
reconhecida e nomeada pela comissão organizadora como a “Madrinha do Salão”. Neste importante Salão surgiram e expuseram nomes como Candido Portinari, Cícero Dias, Alfredo da Veiga Guignard, Ismael Nery, Rego Monteiro,
dentre outros.

Em 1942 Annita Engajou-se na militância pela Classe Artística, participou no Sindicato dos Artistas de São Paulo como diretora, e assumindo interinamente a presidência desta associação em razão do falecimento do então presidente. Após a Segunda Guerra Mundial dedicou-se a lecionar arte na escola pública, e a desenvolver um estilo livre de pintar, entre o moderno e o primitivismo, mas que lhe traria satisfação e prazer.

Annita nunca se casou. Foi professora e atuou pintando suas telas durante toda sua vida. Faleceu (segundo a certidão de óbito) na noite do dia 06 de novembro de 1964, na Santa Casa de Misericórdia, bairro de Santa Cecília
em São Paulo, 1964.

Sua importância não se concerne apenas a História da Arte, mas se refere à defesa da emancipação da Mulher na sociedade brasileira, como pela valorização da pessoa com deficiência física.

A localização do endereço atual de seu nascimento, é de grande relevância a bem da informação, como também para entendermos melhor suas atitudes e trajetória, estimularmos o conhecimento geográfico da história e identificação para as novas gerações. Estar diante do local aonde veio ao mundo tal espírito elevado, é fazer contato com a história “da pessoa”, do corpo humano que abriga a celebridade.
É uma referência, um ponto de partida para entender a trajetória e as influencias sociais, históricas, psicológicas e estéticas que desencadearam toda a produção de sua obra e contribuição para a História da Cultura Brasileira.



ONDE E QUANDO NASCEU ANNITA MALFATTI?

Consta em publicações oficiais que Annita nasceu em São Paulo na Rua Florêncio de Abreu.
O Portal do IEB- Instituto de Estudos Brasileiros – USP, apontam o número 67 da Rua Florêncio de Abreu como o local exato de nascimento da artista em 02 de dezembro de 1889. Hoje podemos afirmar com toda certeza (segundo minhas pesquisas pelos periódicos na Internet e visitas ao Acervo do Arquivo Histórico Municipal) que o
referido imóvel está atualmente sob o número 449 da Rua Florêncio de Abreu.

A biógrafa Professora Marta Rossetti Batista sugere na página 31 de seu livro “Anita no tempo e no
espaço”, que devido a “não localização de registros de nascimento”, há duvidas sobre data correta de nascimento da artista, e que “estabeleceu” a data 02/12/1889 baseando-se nos depoimentos de
Hermantina Shalders (amiga e companheira de viagem a Alemanha em 1910), e do irmão Guilherme
Malfatti.
Porém, em abril de 2023 visitei ao Cartório RCNV de Santa Ifigênia, Capital- SP, e descobri o “Registro
tardio” de nascimento solicitado pela própria artista no dia 16 de agosto de 1923
, declarando “com
testemunhas” o seu nascimento no dia 02/12/1890.

A artista declarou sua própria data de nascimento. 02/12/1890. Um ano após o afirmado em livro pela
Professora Marta Rossetti Batista.
Confira na imagem da certidão abaixo

REGISTRO (TARDIO) SOLICITADO PELA PRÓPRIA ARTISTA!

Registro de Nascimento declarado pela própria artista em cartório em 16/08/1923, uma semanaantes de viajar para a Europa, onde participaria do “Pensionato artístico” até 1928. OBS: O documento também comprova (na décima linha)o endereço de nascimento: Rua Florêncio de Abreu, 67.

Autor e Responsável pela Pesquisa


Edgard Santo Moretti – (São Paulo- SP – 1962)
Artista Plástico – Escritor – Pesquisador
Licenciatura Artes – Faculdade de Belas Artes de São Paulo (1992)


Referências, fonte de pesquisa

  • Acervo digital – Jornal O Estado de São Paulo – de 1889 á 1957;
  • Hemeroteca – Jornal Correio Paulistano – 1890 a 1929;
  • “Um estudo sobre a docência na vida e na carreira de Anita Malfatti”
    Autora: CIBELE REGINA DE CARVALHO
    Dissertação apresentada á Universidade Presbiteriana Mackenzie
    Como requisito parcial para obtenção do título de mestre em educação, Arte e História da cultura.
    Orientador Prof. Dr. Marcos Risolli;
  • Portal do IEB – Instituto de Estudos Brasileiros – USP – HTTP://veranitamalfatti.ieb.usp.br/1887-1900/
    -Atique, Fernando – “Os elos entre a University of Pennsylvania e a arquitetura
    do Brasil, através da trajetória profissional de George Henry Krug.”;
    http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/atique_krug.htm
  • Livro – Biografia – Anita Malfatti no Tempo e no Espaço – Professora Marta Rossetti Batista – Edusp.
  • Pesquisa presencial no Acervo Arquivo Histórico municipal de São Paulo;
  • Cartório de Registro Civil de Nascidos Vivos de Santa Efigenia, Capital- SP
  • Pesquisas anteriormente realizadas pelo autor:
    1- “Descoberta Local da Exposição Malfatti 1917”
    Caderno 2 – O Estado de São Paulo – 29/01/2019
    2- “Descoberta Local Exposição Lasar Segall – SP – 1913”
    (participante na Jornada do Patrimônio – Memória Paulistana. 2020)
    3- “Resgate Folclórico – Batuque Umbigada do Mestre Aggêo – Barueri – SP”
    (Pesquisa idealizada e realizada pelo autor com recursos próprios.)
    Barueri, São Paulo – Brasil 2024

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